Emily em Paris ou Thais na Argentina: 3 desafios da adaptação cultural na comunicação internacional

Thais Cunha
6 min readOct 27, 2020

Confesso que sim, estou atrasada no hype do momento. Já faz quase um mês que o burburinho gerado em torno da nova série da Netflix, “Emily em Paris”, suas reflexões e críticas, estão tomando conta da internet.

Resolvi escrever este texto porque que eu também não pude deixar de pensar nos acontecimentos da série e fazer comparações, no caso, com a minha vida na Argentina e com os trabalhos que tenho feito, por meio da Sneety, para empresas da América Latina direcionados ao Brasil.

A série conta a história de Emily, uma jovem de Chicago, nos EUA, que vai trabalhar em uma agência de marketing na França e “ensinar o jeito e a visão americana de trabalho e uso de mídias sociais”.

Quando escutei essa frase me deu uma dorzinha no coração.

A importância de adaptar-se e não impor a sua cultura ao outro é sinal de respeito e empatia. É preciso se abrir ao novo, entendê-lo e usar essas diferenças a seu favor — seja para uso pessoal ou profissional. Olhem só o meu exemplo.

1- A dificuldade com o idioma

Junto com essa atitude arrogante, a personagem começou mal por não falar ou entender nada do idioma. Uma coisa importante ao viajar para outro país é tentar aprender pelo menos 3 expressões básicas do idioma: “Por favor”, “Obrigada”, “Com licença”, “Desculpa”. Isso mostra proximidade e simpatia.

No casa da Argentina, antes de me mudar fiz 3 meses de aulas particulares com uma Cubana que morava em São Paulo. Cheguei no país falando um nível de portuñol elevado, e isso me abriu mais possibilidades do que se eu viesse sem saber nada.

Com relação ao idioma, as empresas que querem entrar no mercado brasileiro, só existem duas alternativas: Falar português (não brasileiro) ou ter um representante que tenha o idioma como nativo. Esse é o primeiro passo para a empresa acontecer nas terras tupiniquins.

2- A comparação e o julgamento

O segundo grande erro de Emily foi a comparação constante com frases como “na ‘América’ não é assim”. Infelizmente eu também sofri desse mal no meus primeiros meses em terras hermanas e sempre dizia: “ no Brasil fazemos de outra forma”.

Ilusão a nossa pensar que vamos entrar em uma cultura e “doutrinar” as pessoas para que vivam e trabalhem como a gente. Não existe certo ou errado. E aqui temos que tomar cuidado com duas coisas:

Xenofobia: preconceito e intolerância ao que define uma cultura

Etnocentrismo: superioridade de uma cultura sobre a outra

Para evitar cair nessas armadilhas, é importante pesquisar e estar aberto para compreender o diferente, absorver o que faz sentido para você e a sua realidade e aí se adaptar. Ser um cidadão do mundo, sem crenças limitantes.

Quando escuto empreendedores dizendo que tem interesse em expandir seus negócios até o Brasil, mas que tem medo pelo tamanho do mercado, pela língua e pela cultura, eu os entendo. Conheço histórias de argentinos, chilenos, mexicanos e uruguaios, que investiram no mercado brasileiro com pouco ou nenhum conhecimento das tendências de consumo do país e não tiveram sucesso.

Eles dizem muito a frase: “no Brasil vocês são muito nacionalistas”. Mas basta passar um olhar rápido e comparativo por grandes marcas que são sucesso nacional como Nestlé, marcas da P&G, banco Santander, Johnson e Johnson, a gigante Google e tantas outras para entender que a questão não é somente ter dinheiro e se adaptar às legislações locais, eles souberam como se adaptar culturalmente, criaram uma comunicação segmentada e campanhas de acordo com o contexto nacional.

Algumas ainda seguem normas e padrões internos de suas matrizes, porque apesar de operações, muitas vezes independentes, estas precisam se reportar para fora . Mas, cada vez mais vejo esse modelo vir abaixo e muitas empresas ganhando a liberdade de “tropicalizar” suas marcas.

Os desafios da adaptação são inúmeras, começando com a aprendizagem da língua, passando pelas relações sociais, entendimento da vida econômica e compreensão da cultura como um todo (artes e tradições) sem estereotipar. Difícil, mas não impossível.

3- A estereotipização em massa

A criação dos estereótipos veio da ideia de criar um senso comum, de simplificar o mundo para facilitar a compreensão e, consequentemente, aumentar o comércio. O problema é que muitas vezes esse tipo de interpretação generalizada é feita de forma simplista, sem levar em conta a cultura e o contexto social, e cheia de preconceitos associados a raças e etnias e juízos de valor.

Na série, de maneira escrachada, podemos ver os franceses como preguiçosos, machistas, sujos (pq não se preocupam com o tomar banho), super sexuais e intolerantes com pessoas que não falam francês.

“Eu acho que os americanos têm o equilíbrio errado. Vocês vivem para trabalhar. Nós trabalhamos para viver”, personagem Luc na série.

Comigo não foi diferente. Quando cheguei a Argentina poucas pessoas acreditavam que eu era brasileira. Loira, branca, magra, de óculos, vestida com jeans, all star e camiseta branca (tenho um estilo mais básica) e, o pior de tudo, o fato de não saber sambar fez algumas pessoas me olharem torto. Até mesmo em reuniões online com executivos de outros países, o espanto é o mesmo.

A frase que eu mais escutei no primeiro ano foi “mas você não parece brasileira”.

Porém, eu também caí nessa armadilha estereotipada. Entendi que não são todos os argentinos que dançam Tango, são arrogantes, estafadores, que possuem mullets à la Maradona ou ainda que as manifestações são diárias (apesar de realmente serem muitas).

Mas viver fora me fez perceber que as vezes fazemos parte de alguns estereótipos: Eu, por exemplo, estou sempre rindo, sou alegre e muito receptiva com todos e faço amizade até na fila do pão. Falo pelos cotovelos. Apesar se não sambar, gosto de dançar.

Já do lado argentino, descobri que os meus sogros dançam tango lindamente ❤. Os argentinos que tenho contato (classe média e empreendedores) são politizados e críticos, entendem e fazem teorias sobre a economia do país, mas, tirando um um outro, não tem nada de arrogância. Na verdade, eles gostam de te explicar as coisas e expor seus pontos de vista. Alguns podem ser vistos como mal humorados pela forma como falam. Vai do ouvinte ter empatia para compreender.

“Diferenças culturais e peculiaridades são comuns, mas a empatia é a chave para ser bem recebido e ter ótimas experiências em qualquer lugar do mundo”, Matheus de Souza no livro “Nômade Digital: um guia para você viver e trabalhar como e onde quiser”.

Contudo, não podemos demonizar os estereótipos. Todos eles foram criados com base na cultura e na história, só que foram potencializados por meio do cinema, da publicidade, dos livros e do turismo. Por quê? Porque estereótipo vende!

Ou pelo menos vendia no fim do século XIX e começo do século XX.

Desde a globalização e o surgimento da internet, muitos destes rótulos estão sendo combatidos. Mas ainda temos um longo caminho a percorrer.

Claro que não existe fórmula mágica, mas, talvez, a empatia e o estímulo ao conhecimento seja a melhor forma de combater algumas formas de preconceito e comunicações equivocadas.

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Thais Cunha

Relações Públicas, especialista em Conteúdo, Estratégias e Relações com a Imprensa. CEO da Sneety. Uma brasileira morando na Argentina.